quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Ama

"Se queres fazer da tua vida um elo de eternidade e manteres-te lúcido até no meio do delírio, ama... Ama com todas as tuas forças, ama como se não soubesses fazer mais nada, ama até causares inveja a príncipes e deuses... porque é no amor que qualquer fealdade ostenta uma beleza própria..."

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

A dúvida

Se existir fosse uma vontade tão própria como o pensamento, quantos de nós existiríamos?

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

O que o dia deve à noite

"...O homem não é mais do que inépcia e equívoco, erro de cálculo e falsa manobra, temeridade inconsiderada e objecto de fracasso quando crê avançar rumo ao seu destino, desqualificando a mulher... É certo que a mulher não é tudo, mas tudo assenta nela... Olha à tua volta, consulta a História, olha demoradamente para o mundo inteiro e diz-me o que são os homens sem as mulheres, o que são os seus votos e preces quando não as louvam... Rico como Creso ou tão pobre como Job, oprimido ou tirano, nenhum horizonte bastaria para a nossa visibilidade se a mulher nos virasse as costas... se uma mulher te amar, se te amar profundamente, e tu tiveres a presença de espírito para avaliar a extensão desse privilégio, nenhuma divindade te chegará aos calcanhares..."

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Grey

Chegou... este cinza invernoso, soturno, que inunda e afoga os sorrisos com lágrimas de solidão.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Julho de 2004... o mundo dos meus concidadãos vivos continha as notícias de sempre, a guerra mantinha-se, como sempre, dividida entre o trânsito da minha cidade e os morteiros que caíam algures numa terra de gente desconhecida, como sempre; a paz, também ela, semeava-se diante dos olhos dos mais misericordiosos, como sempre, voando num beijo sentido de uma mãe, nas mãos enroladas dos esperançosos namorados, no desdentado sorriso de uma senhora a quem a idade lhe retirara amavelmente a razão... como sempre! E nesta cascata neutra de acontecimentos esquecemo-nos que cada dia tem nas suas histórias de sempre capítulos que arrebatam almas. Aconteceu-me em Julho de 2004, quando uma luz negra avançou desmesuradamente sobre mim, trazendo uma solidão tão arrebatadora como a seiva de um rasgo de amor. Desejei ser o mais vergonhoso dos vermes, desejei ser uma nota de música que se esfuma, desejei não ter de sentir aquele mastigar penoso. Mas tal como num livro, todos os capítulos têm um fim, e como é libertador descobrir que no fio vibrante da minha vida o cunho da próxima e da última letra terá sempre presente a mão firme da minha autoria.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Stop

Stop! Os segundos desciam por ali fora, cruzando o presente com um momento passado. No ar pardacento e enublado choviam os pedidos, moviam-se as bandejas, por debaixo delas os pés que roçavam um chão gasto ao som do compasso... tic tac, tic tac... uma dança, um tango com cafeína e aquela gente imune, imune ao tempo, imune ao som do compasso, imune à dança, imune ao meu olhar que sobrevoava as suas vidas anónimas. Stop! E lá estavam eles, revirados, costas com costas, numa ausência que sendo tão presente não se entende como passa desapercebida.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Milky Way

A manhã desperta... e nem dou conta, um estrondo ecoa no silêncio do sono profundo e os olhos regressam. Há uma explicação mas desconheço-a! Adormeci por debaixo de uma cortina, como o faço sistematicamente, sem ter direito à minha vontade. Caio para o lado e desapareço em sonhos que não encomendei. É de manhã e tudo volta a acontecer. Uns pingos de leite abatem-se sobre um lago silêncioso e provocam um marmoto. Nem me apercebo. Dentro do meu micro cosmos contínuo a acreditar que mundo é apenas a realidade do meu olhar.

sábado, 5 de setembro de 2009

Hoje

Ainda ontem olhava em volta, rodopiava a cabeça e o cérebro seguia-me desencontrado da realidade do meu sentir, como se uma prisão acompanhasse cada passo do meu viver, como se cada passo fugisse do passo seguinte, como se a existência fosse um conjunto de capítulos improvisados. E ainda ontem, enquanto olhava em volta e rodopiava a cabeça e o cérebro seguia-me desencontrado da realidade do meu sentir, fiz as contas aos demónios que me acompanhavam e imaginei para cada um deles uma cara de anjo. E assim ontem passou a ser ontem, perdeu-se no vazio da sua solidão, morreu ali, esmagado num rasto de aromas e flores que me chegaram de improviso do deserto, sem dar conta que ali estava o teu ser.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Still night, still light

Às vezes as luzes apagam-se e a vida desprende-se da pele sem cortesia. Fecha-se o capítulo de uma história inacabada que um momento atrás parecia verter sem fim. Os Homens também murcham, e as flores, que antes nos contemplavam, assombrosamente viçosas, também tombam. Demasiadas vezes! E quando a noite assalta o espírito... o ar torna-se pesado e entranha-se, revolve-nos e desejamos ficar por ali, perdidos no vazio de uma penumbra onde se esconde o ego malicioso. Para muitos é o fim da história. Falta-lhes a coragem de reconhecer a imperfeição da vida e por ela desejar viver, sem ajuste de contas, sem remorsos, sem um olhar vazio, sem vingança, sem o ego ferido, esse mesmo, que antes nos trazia num colo doce e nos abandona assim num sujo e frio vão de escada. Mas para os amorosos existe sempre uma luz que não se extingue, um acreditar que se ri das "verdades", uma vontade de sonhar que trespassa o momento... para eles existe o possível e o impossível. Só assim se pode verdadeiramente amar!

Dedico este post à Rita, à sua vida, ao seu exemplo, ao seu amor genuino e à coragem de saber viver e lutar sem nunca desistir ou virar a cara... still night, still light!

sábado, 1 de agosto de 2009

Bloody Mary

Aproxima-te!
Abraça-me no silêncio despojado de vestes,
Delicia-te nas gotas do meu amargo sangue,
Pequeno voraz.
Não digas nada,
Adoro-te no meu desejo e no entanto…
Esmagar-te-ia com tantas delicadezas e absurdas alucinações,
Pequeno voraz.
Sente!
Transpira no meu sangue quente,
Acolhe-o,
Sim, saboreia-o,
Pequeno voraz.
Ergue-te nestes momentos de viagem e depois…
Corre,
Foge desabrido e leva as memórias,
Limpa-te e guarda em ti esse sangue meu.


sexta-feira, 24 de julho de 2009

A risco

Por vezes fixo-me numa palavra e deixo-me levar. Por vezes fixo-me numa pessoa e deixo-me ficar. O meu estado de espírito é mutável, oscila como o meu corpo, serpenteia como a vida. Aborrece-me não ter todas as respostas, aborrece-me o vazio quando este surge e se retém no horizonte. Mas é assim. Um cruzamento nunca é um fim mas antes o princípio de algo. O que me agrada é suportar os medos que se acercam e agarrar na revolta que se apodera do espírito e pensar que o maior risco é desistir.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Abraço

O melhor que temos é a capacidade de nos emocionarmos e daí retirarmos uma razão para a existência. Um abraço retrata essa razão, seduz o espírito e torna-nos benevolentes, crentes de que um sopro de sentimento nos aproxima do eterno. Agarramos ao encontro do nosso corpo um calor alheio, os braços, o tronco, a face, a vida que naquele instante destrói as incertezas do momento seguinte. É muito, é tudo, é a humanidade!

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Lutar por...

Um vulgar encontro de esquina: os olhos cruzam-se, os corpos param, o sorriso surge, os cumprimentos trocam-se e a pergunta aparece: estás bem?! A resposta não tarda: melhor seria insuportável!

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Osmose

Não preciso que me digas a forma do teu rosto e me recontes os segredos, os santos e os pecadores; não preciso sequer que sorrias, nem que me aceites, nem que me aproves no teu olhar. Não preciso de tréguas, nem de guerra, nem de paz, nem de nenhum qualquer pensamento altivo ou derrotado. Não preciso da marca de um sabor passado. Não preciso dos lábios, da pele, da carne, de me sentir entranhado. Não preciso de uma explicação, uma palavra, um sopro de vento quente, doce no meu sentir. Deixei-me ir e retenho em mim cada partícula do que pude saborear.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Sexy...eu?

O tema era, ouvi: as cicatrizes no nosso corpo. A ideia, julgo eu, retratar através do corpo o reflexo mais imediato dos choques da vida. No palco improvisado uma jovem enérgica, espanhola, filha de pais diplomatas, expunha uma, duas, três... as muitas cicatrizes que contavam histórias, as suas histórias, os seus momentos dolorosos, que ali se transformaram em troféus de vida, numa espécie de alegoria. As nossas vidas são de facto todas assim, como os nossos corpos, estão expostas e guardam para si imagens que permanecem. Curioso como a dor de um momento acaba sempre por se transformar em algo diferente, como o tempo trabalha, como o espírito cede, como a aventura continua até ao último sopro. Curioso como o corpo é corpo e o corpo é espírito. Curioso como a vida só é vida existindo um corpo e estando nós presos dentro do corpo procuramos a liberdade no espírito. Curioso como olho para esta imagem e só oiço a rapariga a dizer: sexy... eu?

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Cosmos

A dimensão da realidade tem a proporção do nosso olhar! Em criança vivi um momento assustador: subitamente compreendi que existe algo demasiado grande, a que chamamos Cosmos, e que todos nós vivemos numa pequena quadrícula, num planeta, a que chamamos Terra. E chamarem Terra à terra em que vivemos foi para mim uma valente partida. É que terra significava um pedaço de horizonte sólido, seguro e perene, com a mesma validade e garantia que continha a existência dos meus pais. Mais... nós íamos todos à terra, e lá na terra moravam os meus avós, e também eles eram sólidos e eternos. Até que percebi que os adultos podiam morrer, as crianças não, mas os adultos podiam morrer, e lembrei-me que os meus pais eram adultos... foi a segunda partida. Dobramos esta fronteira e passamos a ser adultos. Mas nem por isso a dimensão da realidade deixa de ter a proporção do nosso olhar, talvez o que suceda aos adultos é que vão perdendo a capacidade de reconhecer e de se espantar com as múltiplas dimensões que nos rodeiam, provavelmente por nos lembrarmos que a ignorância nos protegia, que morrendo os pais não há quem os substitua... de facto, olhando para o cosmos, não perdemos a dimensão de uma criança.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

I am aware of what you are & what you do

Gosto particularmente desta fotografia. Do branco translúcido, da seta indicativa no chão, das pessoas sem rosto que caminham em direcções opostas, dos contornos da personagem que se perde ao fundo, da frase esbatida mas presente por cima do arco, da escada transversal, bem definida, opaca... Não há aqui nada que nos revele um padrão de belo, há sim uma imperfeição que arrepia num primeiro olhar, mas há também uma presença simbólica que supera a estética e me remete para uma dimensão transcendental: I am aware of what you are & what you do

domingo, 21 de junho de 2009

Plantar

A melhor altura para plantar uma árvore é há 20 anos atrás. A segunda melhor altura é agora...!

(provérbio africano)

terça-feira, 16 de junho de 2009

Cristo

Já andei mais perto de Deus! Mas nunca como hoje tinha andado tão perto do espírito. Deixei de parte a entidade porque fui sempre irredutivelmente susceptível aos ícones e às preces formatadas. Mas nunca alheio ao espírito. Desconfio das certezas e dogmas, prefiro manter-me na infinita fragilidade do meu ser e viver assim, com a certeza da ignorância e sentir ao de leve o sabor do infinito.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Identidade

O tempo passa... mudam-se os ventos, mudam-se as vontades, os gostos, as caras, as modas... também nós mudamos... muda tudo... ou quase tudo... há vidas que nos acompanham de uma forma permanente... que fazem parte da nossa pele como uma identidade. Hoje encontrei esta foto perdida numa pasta do meu computador e lembrei-me do que escrevi em Março deste ano, no dia em que comemorei 39 anos e enviei um email aos meus amigos que dizia assim:

Há pouco tempo atrás perguntaram-me o que é que eu gosto mais na vida, e perguntaram-me assim: “mas o que é que realmente te fascina, o que te inspira, o que te faz correr atrás…?!”… nunca me tinham feito tal pergunta e eu nunca tinha pensado em tal resposta… e ao contrário do que esperaria de mim próprio, apercebi-me que a resposta não vinha aí de dentro a voar… Naquele silêncio em que fiquei, o mais que se ouviu foi uma contínua vocalização em branco: aaaahhhh… e a seguir chegou-me uma interrogação interna, um momento de aflição, uma não resposta… mais silêncio… até que me apercebi que procurava uma resposta que pudesse ser apresentada como certa… uma profissão, um talento, uma causa, uma vocação… mas… nada… e quando consegui dar-me uma pausa, recordo que sorri e com uma enorme confiança e tranquilidade disse: o que eu mais gosto na minha vida… é fácil… das pessoas!

Este post dedico-o aos muitos e bons amigos e em especial à Catarina, que sempre foi e será, para além de tudo, para além das circunstâncias do passado e do futuro, a minha melhor amiga. É bom poder dizê-lo... e partilha-lo!

terça-feira, 9 de junho de 2009

Túnel

Quando termina este infindável túnel de informação? …Fábrica fecha as portas e desemprega 200 pessoas, gangue assalta joalharia, lista de espera dos hospitais não pára de aumentar, selecção nacional não rende o esperado, homem mata esposa à queima-roupa, jovens portugueses entre os menos optimistas da Europa, taxa de desemprego sempre a subir, mega fraude em banco privado, função pública descontente, greve de polícias, violência nas escolas cresce todos os anos, desastre na A1 mata 5 pessoas, receitas aquém do esperado, armas circulam livremente, taxa de crescimento estagnou, anti-depressivos entre os medicamentos mais vendidos, sondagem revela portugueses descontentes, partidos não se entendem… há uma fobia negativa que nos cerca, corrói e destrói o sorriso a que temos direito. Se podemos fazer melhor? Yes we can!

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Verano Azul

Quem não se lembra das tardes passadas em casa dos amigos a vibrar com as histórias do Verano Azul... o formidável Chanquete, a esplenderosa Bea e o inesquecível glutão Piraña?! Era mágico, era tudo o que desejávamos, era uma alegria imensa partilhar aquelas emoções e aventuras. A idade passa mas o Verão volta sempre e sempre azul, e com ele o bom tempo, o mar e os sorrisos.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Mel

Há dias assim, apanhamos do ar não sei bem o quê e ficamos quebrados. O problema maior é que com o déficit de saúde chega-me sempre o déficit de espírito. E por aqui ando, recluso em casa a tossir para as paredes porque tão pouco me apetece falar. Mel... chá de limão e mel... é a mezinha de sempre. Nunca percebi se resulta porque afinal, com ou sem mezinhas, chega sempre o dia em que nos curamos, e esse dia parece estar a chegar. O frasco de mel, esse, está quase a partir!

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Sangue

A tarde estava amena e do céu descia uma luz intensa. Pela praça deambulavam famílias, namorados, amigos, ciclistas ao fresco no final da tarde. Fiquei por ali encostado a uma vedação, entre a praça da igreja e um rio que corre ligeiro, a observar aquele formigar de gente incógnita. Deixei-me estar, deixei o tempo perder-se. Olhei para a esquerda, olhei para a direita. Olhei também um pouco para mim. Fui saboreando aquela procissão até me sentir invisível. Inesperadamente, na boca da praça, um vestido vermelho, uma doce gota de sangue, um rasgo de vida, um pano solene de cardeal... e por debaixo daquele encanto teatral a presença alva de uma flor vivida. Caminhava solenemente só. E lá foi ela, até à porta da igreja, prestar as suas contas na casa de Deus.

sábado, 30 de maio de 2009

Pegadas

As pegadas de viajante contém a frescura de um outro ar. Em míudo sonhava poder voar. Primeiro no sentido literal, fantasiando a liberdade de um pássaro, mais tarde a possibilidade de poder partir dentro de uma máquina que consegue o improvável: voar! Mas em míudo sempre andei de carro e fui crescendo com o hábito dos pés no chão. Quando finalmente voei, quando comecei a desfrutar das minhas próprias asas, senti uma tremenda aflição de poder fazer parte dessa história improvável que é: voar! É que quando muito pensamos deixamos de poder sentir, e quando começamos a sentir na pele o que em tempos pensámos, constatamos que nem sempre existe uma irmandade. No final de cada etapa, mais do que uma pergunta ou frase que resuma o tempo que já passou, a alma do viajante sente a essência daquela pegada que experimenta no interior: um testemunho jubiloso e tranquilo ou uma garra afiada que lhe risca o estômago.

Tu

Regressei de viagem. Passei pela bucólica e civilizada Suíça e aterrei passados uns dias na fresca e sensual Berlim. Viajar tem este dom de nos dar a conhecer, não só o mundo exterior mas a forma como nos relacionamos com esse mundo, no nosso interior. Quando o vivemos a sós, sem família, sem filhos, sem horários... deparamo-nos com uma intensidade que vai para lá das imagens. É uma viagem de múltiplas viagens, é sentir que existe sempre um tu com quem nos relacionamos. Esse Tu pode ser apenas uma sombra que nos acompanha ou uma sombra que nos persegue; esse Tu posso ser eu, num diálogo de espírito, em dualidade; esse Tu podes ser tu que me lês; esse Tu pode ser um fio de imaginação, uma fábula de formas e pensamentos; ou o Tu que me segue com carinho; ou o Tu que liberta em mim o seu rancor, ou um Tu que em momentos gostaria que fosse o Eu... viajar é por isso também sentir que nunca estamos verdadeiramente sós.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Agora

Esta imagem não me pertence. Chega a ser estranho ter de reconhecer que na realidade não a cheguei a ver, não a captei, captou-a uma máquina sem eu me dar conta. Mas devo-a também ao desejo de expor o olhar à sorte, ao momento, ao ali e ao agora, para agora admirar-me como uma ínfima fracção de vida pode transportar um presente que nos deixa agradecidos e sorridentes. É bom poder partilhar este suave voar.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Viver no "Texas"

Muitas e muitas vezes perguntam-me como me sinto por viver numa terra que tem árvores em vez de prédios, que tem mar em vez de gente, que tem espaço em vez de trânsito... e que tem silêncio como música, gente simples como obreiros e a mera ambição de existir... sem mais.

Umas outras tantas vezes interrogam-me sobre as principais diferenças. Há muitas, mas a que me assalta aqui, de repente, é o número de dias que podemos admirar um pôr de Sol ao longo do ano. Porventura não há imagem mais banal, de tão habituados estarem os nossos olhos, de tão acostumados estarmos a esvaziar o que nos é dado e tomamos como adquirido, e no entanto jamais deixará de ser bela.

Viver no "Texas", para alguém que vira as costas ao flirt da cidade, é um processo de aprendisagem. Não se esvazia nas palavras. Ter o privilégio de poder optar, como eu tive, ensina-nos que cada espaço tem um sentir próprio, uma medida, uma razão que o conduz... não há mal nem bem... há sobretudo a cor do nosso olhar sobre aquela vida, sobre a nossa vida, e as razões que queremos ter para ali viver.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Red

Feira das Brunheiras, um palco vivo e aceso por montras de gente humilde que duas vezes por mês acampam num terreiro despido. Sobe a alvorada e despertam os olhos estremunhados, destapam-se as mantas, os ferros dobrados, as cordas, as vozes e os sacos que abrigam o sustento daquela gente saltitante. Cheira a café. Cheira a uma humidade adocicada que emana essências das redondezas, cheira a gente, sente-se a gente. Saltam cascas de tremoços para o chão ao sabor de uma mini, entre conversas de roulotte, berros familiares, pregões de vendedores que chamam os olhares passageiros ao encontro da sua horta, da sua pequena loja que vende um pouco de tudo por quase nada, e no meio do frenesim anónimo, onde reinam os tons da gente morena do sul, aquele ser vermelho, vindo não se adivinha de onde, entoa com uma cor vibrante o colorido do nosso mundo.

Um pastor na outra margem

Um olhar assim, capaz de destapar uma alma, deixa-nos despidos de palavras. Aconteceu-me. Cruzei-me com o pastor num dia de céu duvidoso, numa destas estradas recortadas do Alentejo a que muitos chamam perdido, mas que a mim me parece apenas escondido dos olhares mundanos. Tranquilo, sereno, discreto nos seus vales e curvas suaves, com uma paisagem linda e de lindas árvores, arbustos, flores de múltiplos tons e cores e cheiros e cheiros e cores e tons... e eu a passar de carro, brando, e ele ali, sentado junto à berma num ermo sombrio, sossegado. O carro seguia e os meus olhos permaneciam naquela imagem que se desprendia da paisagem. Travei, o carro e o tempo, para me juntar ao seu olhar cheio de um mundo denso que naquele momento se tornou meu.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

O Mundo a Cores



“Houve um tempo em que as pessoas costumavam pintar as coisas que podiam ser vistas na Terra, as coisas para onde gostavam de olhar e que gostariam de ter visto. Agora, tornamos aparente a realidade das coisas visíveis e, ao fazê-lo, expressamos a crença de que, em relação ao mundo como um todo, a parte visível é apenas um exemplo isolado e que outras verdades se encontram latentes na maioria das coisas.”
Paul Klee

A capacidade de admirar para além do que se nos apresenta como real faz-me questionar sobre as dimensões que nos rodeiam. É claro, é evidente, é visível... por si só estes factos bastam, dirá uma maioria... e no entanto amamos sem atingir o porquê e continuamente olhamos e olhamos e olhamos sem nos encontramos de verdade com o que está para lá do visível. Porventura sem sequer nos questionarmos. Porventura sem permitirmos uma brecha. Porventura assumindo uma certeza ausente de uma experiência que foi negada. Mas o mundo é felizmente um mundo a cores, com tantas como as incertezas que carregamos... e sentir isso na pele... vibrar quando somos arrebatados por um olhar que trespassa a finitude do corpo... é tudo!


... Há quem veja de olhos fechados... O senhor Nobre estava ali sentado num profundo silêncio, com o olhar virado para dentro e uma expressão ausente de considerações. Discreto, como o tempo que passa sem aviso. Os olhos cerrados davam a entender uma conversa interior. Estava ali, e aquele ali devia trazer consigo um sabor quente e tranquilo.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Viagem

As imagens fotográficas têm este privilégio de fixar um momento que já passou, mais, permitem-nos recordar o olhar e apreender aquela fracção de segundo em que nos detivemos perante a corrente constante e imparável da vida. Uma imagem contém a energia da memória mas não se fica por aí, suscita emoções em todos os segundos que a admiramos, reflecte-se no nosso pensamento, provoca reacção, reúne no mesmo instante o passado, o presente e o futuro.

“No fim de contas, todo o movimento da vida humana é afectado pela forma e pela cor; tudo o que vemos, tocamos, pensamos e sentimos está a ele ligado, de modo que sempre que um artista pode usar estes elementos de maneira livre e criativa, ele pode exercer uma influência tremendamente poderosa na nossa vida.”

Ben Nicholson

O homem "...em certa altura da vida damo-nos conta de que a razão, a ciência e a moral têm o seu campo próprio na procura da verdade racional, do conhecimento científico e dos ordenamentos que a sociabilidade impõe, mas que isso nem de longe esgota o próprio homem. No mundo cultural em que vivemos não sei se é assumir uma grande coragem, se é ceder a uma grande fraqueza fazer esta confissão."

António Alçada Baptista

“Nem sempre sou igual no que digo e escrevo.
Mudo, mas não mudo muito.
A cor das flores não é a mesma ao Sol
De que quando uma nuvem passa
Ou quando entra a noite
E as flores são cor da sombra.

Mas quem olha bem vê que são as mesmas flores.
Por isso quando pareço não concordar comigo,
Reparem bem para mim:
Se estava virado para a direita,
Voltei-me agora para a esquerda,
Mas sou sempre eu, assente sobre os meus pés –
O mesmo sempre, graças ao céu e à terra
E aos meus olhos e ouvidos atentos
E à minha clara simplicidade de alma…”

Alberto Caeiro

Quando poiso o meu olhar e leio com doçura a vida, sinto que o desafio da nossa Viagem passa por tudo isto, pela forma e pela cor, pela liberdade, pela liberdade criativa, pela procura de uma verdade que nunca saberemos ao certo se existe, por existirem entre nós demasiadas verdades, pelo assumir com coragem a verdade que é a nossa, pelo eu que não muda mas se transforma, pelos meus e teus ouvidos atentos, pelo passado, pelo presente e pelo futuro... pelo assumir com uma clara simplicidade a alma de um viajante.