quarta-feira, 17 de novembro de 2010

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Gone

A solidão é, talvez, o maior sofrimento humano, já que fomos feitos para nos ligarmos e ser ligados. A solidão como vazio, como desamor e como perda de sentido, é uma espécie de morte por rejeição. Mas a solidão também pode ser saboreada como ocasião de outros encontros, com quem nos ama mesmo quando tudo se perdeu. E há quem saiba estar sozinho e bem, sem ter que fugir para esquecer ou enganar o vazio. O primeiro passo para viver bem a solidão vem precisamente ao descobrir que dentro de cada um há alguém que nos ama: podemos ser nós... e é certamente Deus!

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Penumbra

Despertei num quarto incógnito por cima de um lençol de algodão branco e húmido. A boca seca, as entranhas a exalar o resto do vinho de uma noite festiva. O som da ventoinha a balançar no tecto, cortando o ar, levantando uma brisa de vento e um cheiro sujo e bolorento que se desprega das ombreiras negras. Vagamente cansado, sinto-me vagamente vivo. Os olhos, duas rodelas de ferro enferrujadas e entumecidas, piscavam, entravam na realidade e despediam-se em sonhos. A noite escura, o corpo dormente, o quarto quente, a janela ao luar e a áspera sensação do fim da festa a revolver-me e a balançar-me nas carícias da cama macia. Passaram-se minutos inteiros e prolongados na companhia majestosa do silêncio. O vinho ainda escorria pelas veias quando ouvi os primeiros sons. Chegavam nítidos. Um berro esfuziante que vem de um corredor que desconheço. Mas de quem. Estou preso à cama como um peso morto. Pergunto-me se é grito de agonia ou canto de festa. Os olhos piscam. Quando se abrem enfrento o silêncio. Quando retornam ao interior profundo, uma caixa de música. Será consequência do vinho, não sei, mas nestes momentos julgo pairar entre dois planetas que piscam, e em ambos me sinto desprovido de razão. Há pouco um berro, que talvez fosse apenas um canto, não sei, e agora mesmo uma explosão de conversas, vozes, gente do outro lado, num quarto e numa sala e numa outra sala e num corredor, não sei, porque não vejo, mas os sons chegam de diferentes recantos, por isso falo em quartos, porque dali as vozes são poucas, e de salas, porque nas traseiras há um remoinho em movimento. O tom é alegre: copos a esbarrar e uma música de fundo encantadora. Os olhos permanecem fechados. Gosto. Estou à porta de um planeta alegre, não vejo o porteiro, nem sequer a porta. É simplesmente uma penumbra.

Play it


terça-feira, 27 de julho de 2010

Porque sim...

Olhar e ver não é identificar, é penetrar. Há rostos que cintilam, é como uma emanação que impregna a película. Diz-me Bonnard: “o que procura? porquê agora? o que o levou a disparar agora?” E eu respondi-lhe “ouça lá, porque é que há pouco pôs ali aquela pincelada amarela?” Ele desatou a rir. Ambos sabíamos que a sensibilidade não se explica...

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Composição

... Quando forçamos, não há nada; não é querer que interessa mas sim estar disponível, receptivo; é por isso que é importante não pensar. Cézanne dizia: "quando pinto e me ponho a pensar, sai tudo mal."... Nunca procuro fazer uma fotografia grandiosa. É ela que se me oferece, há que estar disponível para a captar. Estar ali, sem pensar, esquecer-se, não querer, mas o dom, o instinto, o olhar atento... Não há grande segredo, não é mais que isso.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

1/125

Raramente vemos as provas de contacto, vemos apenas a fotografia escolhida. Não vemos o antes e o depois, como numa prova de contacto. Uma fotografia é tirada em 1/125 segundo. O que conhecemos dum trabalho dum fotógrafo? Cem fotografias? Admitamos que são 125. Bom, já é obra! Tudo somado, dá um segundo. Digamos que conhecemos 250 fotografias. Já é uma grande quantidade de trabalho. Mas só corresponde a dois segundos. A vida de um fotógrafo, ainda que seja de um grande fotógrafo... dois segundos.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Soma

Quantos minutos passaram? Quantos sopros? Quantas vidas floridas? Quantas ilusões? Quantos sim? Quantos não? Quantas vozes cantaram no silêncio? Quantos dias sucederam à noite? Quantos cenários se abateram? Quantos desertos brotaram? Quantos gritos nasceram? Quantos gritos pereceram? Quantos gritos? Quantas razões se impuseram? Quanta gente respira o último sopro? Quantas flores nos seguem? Quantos olhos murcham assim? Quantas multiplicações se transformam em pães? Quantas metros quadrados de terra nos sustém?Quantas flores são precisas para acreditar? Quanto universo existe para te abraçar? Quantas perguntas orfãs de resposta?

terça-feira, 15 de junho de 2010

A vida sem... Photoshop

O caminho que se assemelha a uma recta, monótona mas tranquila, capaz de encher de júbilo os receosos de um outro destino, não seduz a realidade, nem sequer Deus, que se deteve na imprudência de largar uma parcela da geometria da vida nas nossas mãos. Há rectas sim, puras e de horizonte aberto, e vivas e sorrisos que respiram infinito. Há linhas que se cruzam e se agarram, há árvores que formam um fio de floresta e suspiros que desejam a quietude de um momento luminoso. Mas a imperfeição da linha destapa sempre uma nova curva e de nada vale a luta ou mesmo uma zaragata... é simplesmente assim, é a vida.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Fantasma

O meu olhar abate-me, regurgita sobre as formas. Importa pois sentir-me atingido por luzes ténues e nelas reproduzir a cor e sua ausência, permanecer imóvel nos bastidores e sobrevoar o invisível, deixar-me tocar por um fantasma e realizar o inesperado, substituir os símbolos, descontruir renegando os padrões, submergir até ao encontro da minha estética, porventura destroçando as fronteiras do perfeito, dos arquétipos, e sinalizar na imperfeição a vitória de na improbabilidade poder atingir o belo.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Preferia não

Uma cortina estendeu-se em silêncio zelando pelo fim de um concerto que merecia não terminar. A última nota suou deslizante e sorrateira, rompeu pelo palco, fez-se presente, derreteu o bafo quente do jasmim primaveril e desapareceu. Preferia não.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Tempo

O momento inexistente que subsiste no momento seguinte chama-se tempo, tal como a nossa realidade é nossa no querer mas inexistente no tempo, porque se esfuma como o tempo no momento seguinte.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

14600

Fitei a passagem do tempo com o sorriso da alma e a companhia daqueles que me abrigaram sem o medo do desapontamento. Podia estar ali, no meio da paisagem eléctrica, descalço, despido de humanidade e o céu a desabar. Mas quis ficar para trás, deixar-me estar no meu sorriso de criança que sabe rir disparatadamente, sem propósito, sem alcance. Se me procuro destapo o inferno, se me abandono encontro-me numa doce prece.

Target



A P O N T A .......há/à........V I D A


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Detrás

Desci a escadaria do Palácio da Rua do Século num passo de pianista, gozando cada degrau ao som de um compasso lento. Mentira, não desci, fui descendo. Fui gozando, fui sentindo o cheiro húmido das paredes. Sorvi as sombras e a sua face de recolhimento. Senti em mim um espaço aberto à solidão e sorri. Ali estava uma escadaria perdida, orfã de vida, remendada, e do outro lado do silêncio, ao fundo do último degrau, uma luz radiante convidava de novo ao andar. Despedi-me. Olhei em frente e trespassei a porta. Por detrá de algo há sempre algo, haverá pois melhor prova de eternidade?